13.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - IV

«... Proclama-se que os direitos do cidadão que vive em Democracia são o de exprimir o seu parecer sobre as obrigações e sacrifícios que lhe impõem, e o de não ser obrigado a obedecer sem primeiro ter sido ouvido!
Isto é a subversão dos mais rudimentares princípios da noção mais singela do Governo! E é de grandes altitudes que ela se nos faz ouvir? Então onde está a Autoridade? Nos Governantes ou nos governados? Quem governa? A Autoridade ou a Multidão?
Que isto seja ou deva ser assim em Democracia, está certo. Mas que isto seja sancionado por Quem deve personificar sumamente a Ordem, a Disciplina, a Hierarquia, está absolutamente, irremissivelmente errado.»(1)
«Nas propagandas democráticas, diz o sr. Cambó, tem-se falado sempre nos direitos que o regime de democracia dá aos cidadãos; mas fala-se muito pouco nos deveres que lhes impõe.»
O sr. Cambó não é o pai da Democracia, nem é o seu doutrinário. A Democracia é o que a revolução estabeleceu. Ora esta não formulou os Deveres do Cidadão: formulou sim os seus direitos. Deveres tinha-os o cidadão há muito estabelecidos, desde que veio a este mundo. A Democracia falando em deveres não dava novidades nenhumas. Precisamente a sua justificação está na novidade que trouxe: a dos direitos. A Democracia é a rebelião, é a indisciplina, é o contrário dos deveres. Os democratas que falam em deveres são, se são sinceros, democratas fingidos. O que constitui a estrutura da Democracia é precisamente a preocupação dos direitos, fonte de toda a anarquia e de toda a dissolução social. Diz o sr. Cambó que Napoleão pôde dar o golpe de Brumário, porque o povo francês tinha perdido já o hábito das funções mais essenciais duma Democracia. Esta é boa! Então o povo francês guilhotinou, afogou, fuzilou, apunhalou, roubou como quis e quem quis, durante anos e anos — e estava desabituado das funções da Democracia?! Pelo visto — estava habituadíssimo a elas, durante o antigo regime, e foi por isso que em 1789 fez a Revolução!»(2)

«... A anarquia mansa, corrosiva, como em Portugal e na França, sob ameaças graves de deslizar para a Anarquia brava do Despotismo do Poder oculto. Quanto à ligeireza e versatilidade do corpo eleitoral - temos conversado. Que é o corpo eleitoral? Os que votam, ou os que levam os que votam a votar? O corpo eleitoral! Se o sr. Giraud tivesse lido certos versos do nosso bom João de Deus... A respeito da cegueira, isto é da falta de clarividência do povo - os factos estão aí, na situação da Democracia. Se o povo fosse, pudesse ser clarividente e competente; se os inferiores pudessem escolher os superiores; se os debaixo pudessem julgar os de cima, - era o Paraíso democrático. Como se dá o contrário, é o Inferno democrático. Quanto a corrupção eleitoral e parlamentar...»(3)

Notas:
(1) - In A Democracia Nova, p. 13, ed. Autor, 1945.
(2) - In O Livro do Sr. Cambó, in «A Voz», n.º 1004, p. 3, 23.11.1929
(3) - In Nas Vésperas do Estado Novo, p. 120, Livraria Tavares Martins, 1937.

4 comentários:

Anónimo disse...

De novo os meus parabéns.

"... quanto a corrupção eleitoral e parlamentar..."

Com o devido respeito, ouzo dizer que falta o resto. Há uma semelhança inacreditável no que é dito pelo autor no excerto transcrito e o que se passa nesta nossa "magnífica democracia", não só presentemente como desde há muitos anos.
Pela frase inacabada que se pode ler na última linha, o resto do parágrafo deverá ser imperdível.
Maria

nonas disse...

O que falta no parágrafo é irrelevante para a citação em causa. O que falta é isto: "Mas podemos tomar a sério as contestações do sr. Giraud? Napoleão III, que o sr. Giraud cita, disse que «a liberdade nunca ajudou ninguém a fundar um edifício político duradoiro: coroa-o, quando o tempo o tem consolidado»."

Anónimo disse...

Muito obrigada pela resposta.
Maria

Anónimo disse...

Deixei-lhe ontem uma palavra de agradecimento pela sua resposta mas o comentário nunca apareceu! Aqui fica de novo.
Maria