12.4.10

Cosmocracia

«A cosmocracia é o novo rosto da democracia mundializada e cosmopolita. Qualquer homem de espírito é cosmopolita, bem entendido, no sentido em que, como os aristocratas europeus do século XVIII, está aberto ao diálogo com outras nações e de outras culturas. Do que se trata na cosmocracia é de uma coisa completamente diferente. Uma grande jurista francesa, cuja sensibilidade é bastante de esquerda, a senhora Mireille Delmas-Marty, captou bem essa realidade: “O mundo”, escreve ela, “é governado por uma plutocracia cosmopolita suficientemente flexível e ágil para marginalizar os Estados, os cidadãos e os juízes!” Entretanto, as classes dirigentes “ocidentais”, de qualquer espécie que sejam, políticos, homens de negócios, intelectuais, jornalistas, tinham sido progressivamente “desnacionalizadas”, perdendo qualquer sentimento forte de presença à sua nação. Essa evolução, preparada pela impregnação internacionalista do marxismo e pela irradiação do cosmopolitismo americano, nomeadamente no ensino superior, corresponde às grandes mutações dos anos 60 que viram triunfar um cocktail de reivindicações hedonistas ilimitadas e uma “cultura” de aviltamento herdada do anti-fascismo. No mundo dos negócios, as pessoas que absorveram a mentalidade transnacional e cosmopolita têm mais hipóteses de fazer carreira do que aquelas que sentem os laços nacionais. Por um efeito de heterotelia, os americanos, actores dessa globalização, são também em parte vítimas dela. As suas elites, ao adoptarem a mentalidade transnacional, também se desnacionalizaram e tornaram-se cosmocráticas, realizando de certa maneira a utopia wilsoniana.
A cosmocracia fabrica o homo economicus do futuro, o zombie, o homem novo, sem conteúdo, possuído pelo espírito do mercado (Montcorbier). O zombie multiplica-se sob os nossos olhos. É feliz, aparentemente. “O espírito de mercado sussurra-lhe que a felicidade consiste em satisfazer todos os seus desejos”. E dado que os seus desejos são os do mercado, só são suscitados para serem satisfeitos. O zombie é feliz na medida em que não pensa e não sofre. Se pensar, já não é um zombie.
Um dos instrumentos privilegiados para garantir o domínio cosmocrático é a exploração do sentimento de culpabilidade colectiva dos europeus e o seu pendor compassivo proveniente da herança cristã. A “vitimologia” tornou-se o sistema de legitimação de uma sociedade pouco legítima. Para fazer esquecer o que tem de contestável, instaura-se como tribunal permanente de um passado criminalizado. Mata dois coelhos de uma cajadada só. Ao denunciar os “crimes” do passado ou os de ditaduras exóticas, atribui a si própria, sem grandes custos, um certificado de moralidade. E sugere, por comparação, que, apesar da sua corrupção e das suas taras, ainda é, mesmo assim, a mais moral, portanto, a melhor.
Como, no entanto, se manifestem algumas resistências a que chama “populismo” no newspeak cosmocrático, foi um traço de génio ir buscar antigos comunistas, ex-militantes de 68 e sucessores seus, reciclados na glorificação do mercado ou do altermundialismo, na sua versão paleo-esquerdista, para constituírem o clero inquisitorial da religião da humanidade, o novo ópio do povo, cujas missas solenes assentam no futebol. É uma religião que tem as suas tábuas da lei com os direitos do homem, por outras palavras, os direitos do zombie (Montcorbier). Tem os seus dogmas e os seus braços seculares. Persegue o Mal: ser diferente, cultivar o espírito crítico ou não se deixar enganar pelo humanismo moralizador.»

In Dominique Venner, O Século de 1914 – Utopias, Guerras e Revoluções na Europa do Século XX, Civilização Editora, 2009, págs. 444/445/446.

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