5.9.08

O caso capitão von Eycken por Alfredo Pimenta

«Ex.mo Sr. Presidente do Conselho: - acabo de receber esta circular. E pelo telefone, informam-me de que o capitão von Eycken por quem pedi ontem a V. Ex.ª já não está em Caxias, por ter sido transferido para o Hospital de Aljube - tão grave é o seu estado de saúde. Não compreendo isto: a Cruz Vermelha pede esmolas para os necessitados da Alemanha e para os prisioneiros de guerra alemães; a polícia portuguesa deita a mão aos desgraçados alemães, mete-os em calabouços ou em presídios, alegando que eles estão indocumentados. Tenha V. Ex.ª a bondade de tomar sob o seu cuidado este caso do capitão von Eycken. Em Nuremberga, já se proclama (Diário de Notícias de ontem) a ilegalidade dos maquis, e a legitimidade das represálias. Ainda se há-de confessar um dia que a noção dos «criminosos de guerra» foi um crime abominável…
Tudo muda! Não fiquemos nós, portugueses, com a consciência em desassossego, por termos contribuído para mortes violentas, para sofrimentos que levam à morte, e outras tristezas …
Desculpe V. Ex.ª mas em defesa dos desgraçados perseguidos - nada me contém.
De V. Ex.ª com toda a consideração muito grato
A . P.»(p.331)

«Foram, pelo menos, três as cartas que escrevi a V. Ex.ª e não tiveram resposta. Tratavam do caso do capitão von Eycken, e eram acompanhadas de duas cartas dirigidas à pessoa que solicitou a intervenção junto de V. Ex.ª. »(p.337)

In "Salazar e Alfredo Pimenta - Correspondência, 1931-1950". Editorial Verbo. Lisboa. 2008, pp. 331/337.

Nota: Estranhamente no livro faltam estas duas cartas do dossier Von Eycken que fazem parte do espólio depositado no Arquivo Salazar da Torre do Tombo:

«Ex.mo Sr. Presidente do Conselho: - devo resposta à última carta de V. Ex.ª que muito me impressionou. Mas preocupações, falta de saúde e muito trabalho têm-me levado a adiá-la, e ainda não é hoje que a envio.
Outro assunto me traz à presença de V. Ex.ª, doloroso, angustioso e que exige remédio urgente. Entregaram-me essa carta. É de um antigo oficial do Exército alemão, prisioneiro. Conseguiu fugir, e entrar indocumentado, é claro, em Portugal. A polícia deitou-lhe a mão, e tem-no em Caxias. O fim desse desgraçado é ir para a Argentina onde tem trabalho garantido. Mas preso nada pode fazer. A que título o tem a polícia em Caxias? Ou nos seus calabouços?
Estão-se a fazer coisas horríveis em Portugal. O antigo adido naval alemão em Lisboa, que nós entregámos aos senhores do mundo morreu, há um mês, em Hamburgo, vítima dos sofrimentos infligidos. V. Ex.ª não leu o anúncio dessa morte no Diário de Notícias?
Há no mundo uma onda de Barbárie, Ódio e Desumanidade que revolta as consciências mais serenas.
Não sejamos mais solidários com essa onda. Tenha V. Ex.ª a bondade de intervir a favor do capitão von Eycken, que fugiu para aqui, como fugiram milhares de outros desgraçados, sem que ninguém os incomodasse. Este estava muito sossegado numa Quinta do Alentejo, sem fazer mal a ninguém. Ali o foi arrancar a polícia. Porquê? A que denúncias sinistras obedece ela?
Tenha V. Ex.ª a generosidade de mandar por em liberdade esta vítima da Vitória. Dê V. Ex.ª esse prazer ao que é de V. Ex.ª muito e muito agradecido e amigo inútil. A . P.»

«Ex.mo Sr. Presidente do Conselho: escrevo a V. Ex. ª profundamente impressionado.
O capitão von Eycken está no Hospital de S. José, por se ter tentado suicidar, esfaqueando-se. Estas coisas não são para os meus nervos nem para o meu coração. É possível que sejam para a polícia portuguesa. Certamente o não são para V. Ex.ª. Tenha a bondade de dar as suas providências. Já não sou eu quem lhe pede. É a piedade humana.
De V. Ex.ª com toda a consideração muito atenciosamente A . P.»

Sem comentários: