27.3.07

N`O Diabo: Que “ganda” injustiça! por Walter Ventura

Que “ganda” injustiça!

Estava eu muito quentinho aqui sentado ao computador quando voz amiga me diz, via telefónica, que Salazar acabara de sair vencedor nesse concurso pacóvio e retorcido que se metera a averiguar qual o maior de todos os portugueses.
Eu cá, já aqui o disse, não votara no concursinho de D. Maria Elisa que, apesar de ter Contente no apelido, deve estar tristíssima – e se calhar, a braços com um sarilho nutrido por se ter metido em cavalarias que não conseguiu controlar a contento, passe o pleonasmo. Bem. Não votei mas foi como se votasse. Fiz batota. Ciente da aleivosia que a nossa TV andava a congeminar, deixei que outrém utilizasse o meu telefone para dar mais um votozinho a Oliveira Salazar. Acho que não foi lá muito decente mas, que querem? A corrupção chama mais corrupção e eu também tenho os meus podres.
De qualquer das formas, o resultado do concurso, apesar da forma como foi manipulado, não me tirou o sono. Qualquer que fosse o resultado, a insónia não me bateria à porta e, quando estou com pouca vontade de dormir, tenho até receita infalível: sento-me frente à televisão, de preferência ante um desses canais por cabo que passam pepineiras em sessão contínua como os “piolhos” de outrora e é trigo limpo – ao fim de cinco minutos ferro a galhada com galhardia. Bem sei que acordo todo torcido e com o espinhaço feito num oito mas a verdade é que durmo como um justo. E o espinhaço torcido, como vocências bem sabem, é coisa a que estes alegres trinta últimos anos já nos habituaram – a isso e aos sapos que devem engolir-se inteiros.
Na verdade, o que este resultado conseguiu foi espantar-me. Por um lado, contava com a mobilização maciça das gentes dessa admirável e elegantérrima senhora que dá pelo nome de D. Odete Santos. Malta que eu acreditava tanto mais mobilizável quanto maior o perigo de vencer esse tenebroso homem de Santa Comba que, como se sabe, cometeu todos os pecados mortais de que há memória. Depois, pensei cá com os meus botões, a maralha catita que votara nos noventa excluídos, na “final”, tratariam de votar útil para impedir o desastre. Dos que haviam votado Salazar na “primeira volta”, acreditei haver alguns arrependidos e outros já cansados com o esforço medonho. Depois, a retirada da possibilidade de votar via internet – não vislumbro outra razão para terem acabado com ela – afastaria um lote nada despiciendo de emigrantes para os quais a votação telefónica ficaria demasiado cara. Finalmente, como se sabe, a “defesa” coubera a um cidadão que, como teve o cuidado de lembrar, nunca foi salazarista. Pior ainda, apesar de não ter cometido erros de maior, o homem é um tanto monocórdico e a atirar para o chato e o povo, embora sereno, gosta de folclore.
A somar a tudo isto, é sabido, salvo em cabecinhas como a de D. Odete Santos e quiçá a do afamado historiador Rosas e apaniguados, não há por aí nenhum movimento de “estrema direita” – excepção feita (segundo leio na “press” local), a esse grupo em vias de desagregação que dá (ainda), pelo nome de CDS, PP ou lá o que é e aqueloutro, que quase nem chega a ser grupo, encabeçado pelo admirável senhor Manuel Monteiro. Ora, um e outro poderão ter muitos defeitos mas culpados de salazarismo, mesmo que moderado, é que eles não são. Assim, como o nosso primeiro poderá testemunhar – se é que já tem na algibeira todas as polícias e demais serviços de informação, de espiões e de bufos sortidos – não há em Portugal nenhum movimento que se aproxime das doutrinas salazaristas que os derrotados desta noite desconhecem (as doutrinas, claro), e que a maioria dos votantes também. Votos, portanto, só de gente anónima e desgarrada.
Como se chegou, então, a tão incomensurável desastre?
Pois não sei.
Mas, conforme tenho lido em jornais “de referência”, em doutos estudos assinados por cabeças do melhor que por aí há, a coisa explica-se por o bom povo andar ressabiado com a pouca vergonha que já vai muito além do adro, porque não acredita nestes políticos e porque, se não tem ainda fome, já lhe começa a faltar o pouco de manteiga que lhe lubrifique a côdea amarga.
Verdade, verdadinha, que se olharmos à volta, a tese tem pernas para andar. Isso e a certeza da probidade do velho estadista que nunca se deixou tentar, como agora tanto se vê a cada virar de esquina.

«Devo à Providência a graça de ser pobre: sem bens que valham, por muito pouco estou preso à roda da fortuna, nem falta me fizeram nunca lugares rendosos, riquezas, ostentações. E para ganhar, na modéstia a que me habituei e em que posso viver, o pão de cada dia não tenho de enredar-me na trama dos negócios ou em comprometedoras solidariedades. Sou um homem independente. Nunca tive os olhos postos em clientelas políticas nem procurei formar partido que me apoiasse mas em paga do seu apoio me definisse a orientação e os limites da acção governativa. Nunca lisonjeei os homens ou as massas, diante de quem tantos se curvam no Mundo de hoje, em subserviências que são uma hipocrisia ou uma abjecção. Se lhes defendo tenazmente os interesses, se me ocupo das reivindicações dos humildes, é pelo mérito próprio e imposição da minha consciência de governante, não por ligações partidárias ou compromissos eleitorais que me estorvem. Sou, tanto quanto se pode ser, um homem livre. Jamais empreguei o insulto ou a agressão de modo que homens dignos se considerassem impossibilitados de colaborar. No exame dos tristes períodos que nos antecederam esforcei-me sempre por demonstrar como de pouco valiam as qualidades dos homens contra a força implacável dos erros que se viam obrigados a servir. E não é minha culpa se, passados vinte anos de uma experiência luminosa, eles próprios continuam a apresentar-se como inteiramente responsáveis do anterior descalabro, visto teimarem em proclamar a bondade dos princípios e a sua correcta aplicação à Nação Portuguesa. Fui humano».
Assim disse António de Oliveira Salazar, num discurso proferido no Porto, em 1949.
E toda a gente, por mais que as televisões tentem retorcer os factos (e como, à margem do concurso, a televisão andou, durante as últimas semanas, cheia de Salazar e de Estado Novo, visto segundo a cartilha oficial do momento, na tentativa soez de conseguir resultado mais jeitoso), sabem que esta é a verdade.
Triste – e essa uma das razões por que me recusei entrar neste carnaval – é ver Salazar quase ao lado de Cunhal. O Homem que defendeu Portugal no seu todo, na continuidade da sua História, a dividir votos com essa figura patética que queria não só retalhá-lo como entregar, aos seus senhores cada parcela sagrada da Pátria. E imagino o que se terá dito sem corar, nesta noite tão aziaga, por parte daqueles que saudando a História, a Epopeia e sei lá mais o quê, achavam que Salazar deveria perder para os tartufos que sempre se bateram contra a Nação e a sua História mas que, da boca para fora, consideram coisa muitíssimo importante.
Walter Ventura
In O Diabo, n.º 1577, pág. 18, 27.03.2007

1 comentário:

Marcos Pinho de Escobar disse...

Pena "O Diabo" não ter uma edição electrónica. O Ventura, para variar, aí escreve outro grande texto. Pois é assim... como é que Aquele que defendeu a Pátria com unhas e dentes pôde estar "acompanhado", mesmo que a grande distância, por uma criatura soviética que empregou a vida a tentar transformar Portugal numa coutada moscovita?